segunda-feira, 9 de julho de 2007

A vida, as lavadeiras e o ofício

Esse Graciliano é muito bom. A gente deveria levar a vida dessa forma, como devemos levar nosso ofício.




"Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar.
Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer."

Graciliano Ramos, em entrevista concedida em 1948

Suco de melancia e cultura organizacional

Ouvi tanto falar de cultura organizacional nos últimos dias que lembrei do suco de melancia na Barra. Explico: no bairro da Barra, em Salvador, Bahia. Era quarta-feira de cinzas, manhã um pouco chuvosa e resolvemos, eu e meu marido, caminhar na orla e tomar um suco de melancia. A coisa mais simples e comum.
Mais ou menos.
Parei na primeira lanchonete/bar que estava aberta: três atendentes, vários fregueses e um enorme saco de laranjas que uma das atendentes cismava em arrumar e colocar, uma por uma, num compartimento de vidro, em cima do balcão.
Pedi meu suco de melancia. A atendente do balcão _ com uma bandana dizendo: Sou chicleteira (para quem não sabe, isso quer dizer que ama/adora/venera o Chiclete com Banana, banda do trio que leva o mesmo nome e uma multidão de fiéis enlouquecidos, que são chicheteiros de alma e roupa (mas isso é outra história que um dia eu conto)_ gritou para a outra balconista o pedido.
Mais duas pessoas chegaram, pediram suco de laranja, tomaram o suco e nada do meu pedido. No terceiro freguês, voltei a lembrar a atendente do suco de melancia. Ela repetiu a cena. A balconista, continuou no mesmo ritmo de tirar a laranja do saco e colocar num compartimento de vidro.
Depois de uma espera baiana, repeti o pedido. A mesma cena se desenrolou. A balconista, depois de olhar bem para as laranjas, disse finalmente que não tinha suco de melancia. E voltou ao seu trabalho.
Debaixo do balcão era visível a enorme melancia fechada.
Não discuti. Afinal, era o finzinho do carnaval.
Fui para uma outra lanchonete e tomei o meu suco de melancia. Voltarei mais vezes.
Quanto à primeira, esquece. Nenhuma chance de pisar de novo onde não consigo ter meu pedido atendido.
Moral da história: a laranja estava ao alcance da mão. Era só cortar, passar no espremedor e encher o copo. Como a balconista fazia na maior parte do tempo, dia após dia.
A melancia precisava ser cortada, retirada uma fatia, a polpa, bater no liquidificador, coar e servir. Ela achou que dava muito trabalho. Melhor ficar com o que costumava fazer, com o conhecido.
Mudar um hábito leva algum tempo.
Mas pode correr o risco de perder o freguês.

Obs: Escrevi este texto em abril deste ano, depois de dois cursos de gestão (de pessoas, processos e negócios) e muitos artigos para ler sobre o assunto. Estou pesquisando, acredite, essa coisa de gestão em jornalismo. Tentando entender como colocar em linguagem de gente essa coisa chata que os cara pregam na sala de aula.